quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Apoplexia Mariana em ovar

Não adianta sugerir sinónimos. A Mariana chama apoplexia ao que a move. Não é comove, é move, à americana e à portuguesa, ao que não deixa nos ficar no mesmo lugar. Falou da apoplexia depois dos livros, do rectângulo que qualquer realizador de cinema forma com a alma antes de o fazer com as mãos para imaginar um plano. A Mariana leu nove livros nas férias, mas é que leu mesmo, a forma eléctrica de ela falar é o que a literatura é e como deve ser explicada, a Mariana serve-se dos livros para se empolgar e para empolgar os outros. Até me disse que ficou entusiasmada com aquele que estava em cima da mesa sobre 11 de Setembro. Ah, mas esse fui eu que escrevi, Mariana, disse eu. Pronto, não importa, parece interessante, responde a Mariana com naturalidade. Pois não importa, Mariana. Importa o livro, não quem o escreveu. O escritor é sempre pequeno. E em Ovar foram dezenas - não queria arriscar a centena, mas multiplicando as filas pelas cadeiras da frente (Cfr fotografia infra) andou lá perto - a testemunhar a minha pequenez e a compor o magnífico auditório (o melhor que já vi em ambiente escolar, e capaz  desuperar a capacidade equalidade de muitos teatros) da Escola José Macedo Fragateiro, que resolveu celebrar esta não-feriado do 1 de Novembro a aturar-me na qualidade de escritor. A Mariana era uma das jornalistas do Jornal Escolar Trincacevada (que grande nome!), todas meninas muito interessadas com perguntas bem colocadas, como a Catarina e a Filipa, sob a batuta do presciente e sabedor professor Hélder. Antes a sessão tinha começado comigo muito sozinho em cima de um senhor palco a tentar fazer conversa. Antes ainda com uma grande recepção do Hugo, um aniversariante do 11 de Setembro, e amigos, no exterior da escola, que me olharam com aquela curiosidade que nos faz sempre hesitar e perguntar se estaremos à altura dela. Mimo foi o que veio da directora Cecília, tão parecida com a minha avó Belinha, e das professoras Alda, Graça, Rosário e Clara, este nome literário que eu tenho de usar um destes dias. O professor Luís Tarujo salvou a honra dos grunhos heteros, um dos textos que eu ofereci à escola, e que ficou (mil perdões, professor) na dedicatória. E mesmo muito sozinho e distante em cima de um palco grande, toda a gente esteve perto e eu fui chamando os que se iam destacando na plateia. Hoje percebi que não é preciso grande diálogo ou vocação oratória se estivermos sempre atentos ao palpitar da sala. É curioso como há textos que funcionam de forma tão diferente em cada lugar e tempo. Nada substitui, contudo, a absoluta virgindade dos olhares, mesmo entre os aparentemente mais sabidos, ou principalmente neles. Tive como leitores de fragmentos um outro Hugo, o primeiro a deixar fugir uma esperteza, a Sara-directora-de-turma e o Hugo-aniversariante da recepção inicial. Como fotógafo (que promete, pelo que já vi), o Filipe Rilho, que hei-de trazer a todos os lados virtuais, como costumo dizer. E na discussão sobre a pena de morte o Pedro, o Gonçalo, o André, o Leandro e um professor muito desconfiado e irredutível na defesa da pena de morte que encerrou a sessão chamado ao palco com uma ovação para dizer "os meninos estão inquietos para sair", ao que os meninos responderam com riso e recusando debandar. Podia ser melhor? Não. Sobre o stress pós-traumático e de como um homem crescido treme com as histórias do 11 de Setembro, um muito focado João. O núncio portador dos livros foi o caríssimo Professor Cleto, director do Museu de Ovar, hoje meu anfitrião. E como estas não foram as únicas pessoas que me marcaram hoje - estou agora a lembrar-me das meninas dos cadernos, uma era Fabiana, não sei se era a ruivinha, como eu gosto de autografar cadernos de português! - podem imaginar o que acontece a um escritor, mesmo pequenino, como eu, cada vez que entra numa escola. Esta de Ovar, além de bom café e de se notar que é muito ciosa do seu nome antigo (agora querem chamar-lhe agrupamento-de-qualquer-coisa), teve um acolhimento que, a um tempo, é familiar, e a outro abrangente: um verdadeiro abraço - por gasta que esteja a palavra, não está o acto. Fica a gratidão deste vosso servo. A Ovar volto de certeza.


PG-M 2013
fotos de Filipe Rilho